Da performance como memória e ritual

Neste domingo, 08 de fevereiro, realizamos a FINISSAGE + CONVERSA no último dia da exposição INFLAMÁVEL na Galeria do BDMG Cultural. Manifesto minha gratidão aos amigos e colaboradores que estiveram presentes neste ritual de comemoração: Fernanda Branco Polse, Fernando Gontijo, Malu Drummond, Marco Paulo Rolla, Mariana Rocha e Nilton Chaves Fernandes. No encontro, tivemos a oportunidade de conversar sobre as ações performáticas desenvolvidas durante a exposição e sobre a oportunidade de um uso diferenciado do espaço da galeria. Dançamos, brindamos, rimos, comemos, observamos a chuva e avaliamos positivamente o acontecimento de estar juntos, de encontrar em uma tarde de um domingo chuvoso em Belo Horizonte.

Em INFLAMÁVEL, apresentei 07 trabalhos em formato de registro digital, em fotografia e vídeo e realizei 11 trabalhos em formato de ações performáticas na Galeria do BDMG Cultural e entorno, totalizando 18 performances. Foi minha primeira exposição individual e a primeira mostra dedicada à linguagem da performance na Galeria do BDMG Cultural. Procurei compartilhar o processo de montagem da exposição na internet, através de redes sociais e de um blog em que, continuamente, publiquei relatos escritos e fotografias de registro sobre cada performance.

Registro aqui os meus sinceros agradecimentos à Fernanda Branco Polse, responsável por fotografar os trabalhos durante toda a exposição, a todos os artistas que colaboraram com as performances – Flora Maurício (em CRISÁLIDA), Bernardo RB, Cristina Borges, Dorothé Depeauw, Ed Marte, Ludmilla Ramalho, Marcelo Kraiser e Marcos Hill (em ZONA DE CONFORTO), Ana Antunes, Carolina de Pinho, Dorothé Depeauw, Ed Marte, Efe Godoy, Filipe Arêdes, Flora Maurício, Gilmara Oliveira, Guilherme Morais, Jéssica Santos, Margô Assis, Nilton Chaves Fernandes, Olivia Viana, Peter Lavratti, Priscila Rezende e Thomas Trichet (em ANESTESIA), às pessoas que colaboraram com o blog da exposição – Ju Capibaribe, Nathalia Larsen e Sandra Bonomini, à todas as pessoas que testemunharam as ações na galeria e entorno, compondo as performances junto comigo e à equipe do BDMG Cultural, pelo apoio para a realização da exposição, especialmente Thiago Anício, Érico Grossi, Luiza Oliveira, Rodrigo Marques e equipes de Segurança e Serviços Gerais da galeria.

Esse período da exposição representou para mim um processo de imersão no trabalho de performance, uma experiência muito interessante de ocupação da Galeria do BDMG Cultural e uma difusão do panorama de minha trajetória artística nos meios de comunicação, redes sociais e no contato com as pessoas que tiveram acesso ao material gráfico da exposição e através do blog, com mais de 1.200 visualizações até esta data. Produzi, com a parceria com Fernanda Branco Polse, centenas de fotografias e vídeos de registro dos trabalhos, realizei uma performance inédita (F5) no evento de vernissage da exposição e pude experimentar o desafio da composição de diferentes trabalhos durante um mês de mostra.

Sigo processando os aprendizados dessa jornada, impressões inflamáveis dessa proposta de exposição. O trabalho sobre a diversidade de materiais utilizados em cada performance, a montagem constante da exposição a partir da instalação de cada ação, o relato e a edição das fotografias para o blog, a troca com os artistas colaboradores, o convívio com o espaço da Galeria do BDMG Cultural e suas relações, o retorno de pessoas que testemunharam a ação, o carinho dos amigos diante dessa realização.

Nesse período da exposição – de 14 de janeiro a 08 de fevereiro de 2015 – acompanhamos a emergência de uma das maiores crises hídricas do Brasil, que trazem à tona a ameaça da vida humana neste planeta. Observei o movimento da cidade se transformar, do vazio das ruas durante o período de férias escolares e o retorno para as atividades, a preparação para o carnaval que já se anuncia. Percebi também a descoberta da performance por parte de muitas pessoas que foram até a galeria, por pessoas que trabalham no BDMG, por mim mesma, em cada trabalho com sua demanda específica.

Refleti muito sobre a relação da solidão e do encontro que o performer experimenta. Percebi diferentes olhares sobre cada trabalho, como a ação se transforma na relação com o espaço. Fiquei curiosa sobre o que move as pessoas a irem até uma exposição de performance. Senti que me fortaleci no processo de planejamento da exposição junto ao BDMG Cultural, em que assumi a função de curadora de minha própria mostra. Foi uma experiência de entrega e dedicação que me custou muita energia, mas também me forneceu muita potência para seguir na pesquisa da performance.

INFLAMÁVEL tornou-se um espaço de expansão, expressão e composição. Um espaço de resistência, de transgressão, de troca. Uma manifestação do corpo através do exercício da arte como procedimento. Um experimento de sensibilidade e de transformação – do corpo, do espaço, das relações. Um tipo de alargamento dos modos de ver a vida, a galeria, o outro. Um modo de articulação entre pensamento e ação através da performance. Uma sensação mista de superação e submissão, a cada trabalho, a cada imagem. A possibilidade de exercitar a presença e a arte do encontro. Uma abertura para perceber o tempo e o espaço de maneira diferente. Puro contágio. 









FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse e coletivo

Um mergulho profundo

Escrevi isso instantes antes de realizar a performance RITUAL REFLEXO em INFLAMÁVEL:

A arte é uma experiência muito desafiadora.
Em um sentido é uma experiência de morte.
Morre um tipo antigo de olhar, de perceber.
Morre um tipo de corpo.

Nesta sexta-feira, 06 de fevereiro, aconteceu a penúltima ação de INFLAMÁVEL, RITUAL REFLEXO. E eu sinto que continuo administrando arquivos – corporais, visuais, fotográficos. Senti, logo após a performance, uma grande emoção que me fez chorar muito. Gratidão, por todo o processo de aprendizado que continuamente é avaliado, relatado e compartilhado aqui e na presença dos que testemunham, testemunharam INFLAMÁVEL, esse mês de imersão no trabalho da performance. E outro forte sentimento, misto de alívio, força e renovação, todos relacionados à ação que acabara de realizar.

Sinto grande receio diante da ação de RITUAL REFLEXO e tento decifrar o que me impele a propor essa performance, como performance, diante desse sentimento. Acredito que a performance pode indicar um ato cheio de significados. Significados tão fortes que comovem o corpo de uma maneira que seus estados são fortemente alterados. Como performer, tento desenvolver uma percepção dilatada dessas alterações – no meu corpo e nos corpos de quem testemunha a ação. Acredito que a performance é o registro do rascunho sempre inacabado e contínuo dessa percepção.

Na performance deste 06 de fevereiro percebi uma experiência nova pela configuração do espaço onde ocorreu a ação. RITUAL REFLEXO aconteceu na área externa da Galeria do BDMG Cultural, de onde se pode enxergar as torres da Igreja de Lourdes, os jardins internos do prédio do BDMG no andar de baixo, e um pequeno pátio, com arquibancadas de pedra. De lá, dá para ouvir também uma miscelânea de sons do entorno, incluindo não só o sino da igreja, mas o ruído temporário de crianças no recreio de uma escola da vizinhança, o som metálico de obras em construções próximas e o canto sutil de alguns pássaros.

Neste ambiente, diante do espelho posicionado em frente ao paredão de pedra do fundo o edifício, enxerguei não somente minha imagem em presença. Junto ao tipo de arquibancada que estava atrás do meu corpo diante do espelho, percebi outras presenças dentro do espelho. A artista Marina RB e o poeta e filósofo Diógenes Aquino permaneceram por um bom tempo comigo, dentro do espelho. Eles se posicionaram logo atrás de mim, e pareciam procurar dentro do espelho alguma coisa junto comigo. Essa proximidade me preencheu de afeto e de cor. Ambos usavam roupas em tons complementares de vermelho e azul, que junto ao branco que eu vestia e a textura negra da pele do edifício do BDMG mais atrás compunham um quadro efêmero de puro reflexo. A utilização do espaço externo da galeria foi muito interessante neste raro dia chuvoso de 06 de fevereiro, como há muito não acontecia em Belo Horizonte um dia cinza. Assim diz o Livro dos Símbolos:

“O espelho é um recipiente refletivo cuja fonte de energia é a luz. Os espelhos sempre existiram Antes do uso do metal, eles eram os reflexos nas águas reunidas nos recortes da terra. Os primeiros povos acreditavam que nesses reflexos o elementos da alma podia ser percebido e ainda hoje persiste a fantasia de que o espelho nos pode roubar a alma. A natureza extraordinária do espelho é a maneira como ele leva nossa imaginação para as suas aparentes profundezas. O que vemos nós quando olhamos para um espelho? ‘Refletir’ significa meios para dobrar para trás ou em torno de, sugerindo uma ligação. As perturbações no reflexo têm sido associadas ao narcisismo patológico, estados marginais e depressão crônica. Todos os dias, nós confrontamos espelhos nas reações de outros em relação ao nosso comportamento. No seu aspecto mágico, o espelho é uma ferramenta de impostor, um utensílio de ilusão, fazendo-nos frequentemente parecer mais, ou menos, do que aquilo que somos. Mas o espelho enquanto símbolo da nossa capacidade para refletir é igualmente um instrumento de salvação. No mito de Perseu, é apenas olhando para a imagem refletida do que é perigoso absorver diretamente, que o herói consegue matar a Medusa de cabeça coberta de cobras.”

Na performance RITUAL REFLEXO quebro o espelho e enterro os cacos de reflexão. Fiz uma pequena cova na terra aos pés de uma árvore da avenida Bernardo Monteiro, em frente à galeria do BDMG Cultural onde estão algumas partes de imagens fragmentadas de uma busca. Neste espaço que recebeu mais 10 ações performáticas, além dos registros em fotografia e vídeo de mais sete trabalhos solos e coletivos. Sigo imaginando a conversa no próximo domingo, dia 08 de fevereiro, durante a FINISSAGE INFLAMÁVEL na galeria. O que gostaria de compartilhar, além da gratidão pela presença das pessoas que testemunharam essa jornada na galeria e/ou pelo blog? Uma satisfação, um desafio, uma promessa de outros estados que ainda vão surgir da memória desse momento?














 FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse

O que você faz de bruços?

Nesta quarta-feira, dia 04 de fevereiro, realizamos a performance ANESTESIA, na travessa da Praça da Liberdade, dentro da programação INFLAMÁVEL. Como na semana anterior, recebi o apoio incondicional de um grupo numeroso de artistas e colaboradores para compor o trabalho comigo a quem agradeço mais uma vez por compartilhar a experiência. Salve Ana Antunes, Carolina de Pinho, Dorothé Depeauw, Ed Marte, Efe Godoy, Filipe Arêdes, Flora Maurício, Gilmara Oliveira, Guilherme Morais, Jéssica Santos, Margô Assis, Nilton Chaves Fernandes, Olivia Viana, Peter Lavratti, Priscila Rezende e Thomas Trichet!


A ação teve início ainda na Galeria do BDMG Cultural, quando nos reunimos e após a conversa sobre o roteiro de ações e a retirada dos sapatos, seguimos descalços para a Praça da Liberdade. Andar descalço pela rua gera uma outra sensação no corpo, outro tipo de passo. Chegando ao local da performance, havia um músico tocando uma gaita-de-fole, que integra um grupo raro de instrumentos que tocam contínua e mecanicamente, sem necessidade de pausa para o músico respirar. A gaita produz um som bastante incomum por aqui e foi um verdadeiro presente para nós, gerando uma sensação ritual bem interessante para o início da performance.

Sem pausa também começamos a compor a imagem da performance, corpos deitados de bruços, na travessa da Praça da Liberdade, em uma postura de submissão, como acontece em rituais religiosos, em que o corpo é consagrado (em cerimônias de ordenação de padres, por exemplo, ou no candomblé). A proposta da ação é permanecer nessa postura, com a cara para o chão até o limite de cada performer, dilatando a duração da performance e consagrando o corpo ao tempo.

Para os performers, essa é uma atitude de muita vulnerabilidade e a sensação que tive e que outros artistas compartilharam comigo após a performance é de uma entrega total. O campo de visão fica muito reduzido, porque o rosto está contra o chão e há pouca extensão na visão lateral. Há uma percepção de quando uma pessoa passa perto, caminha. E há uma ampliação do sentido da audição, do olfato e do tato, sobretudo das partes do corpo que estão expostas, como as mãos e os pés. Mas, de maneira geral, ficamos muito entregues.

A ação trouxe também uma reflexão interessante sobre a relação entre o trabalho coletivo e o trabalho individual. Há um forte senso de grupo quando nos reunimos, quando caminhamos até a praça, quando nos encontramos novamente após a realização da ação. No entanto, foi curioso perceber e ouvir dos demais artistas como, durante a ação, devido à postura e concentração, há um empenho extremamente individual de cada performer. Não há como saber exatamente o que os outros estão fazendo naquele momento, se já se levantaram ou se permanecem. Há uma confiança, um tipo de ligação energética que cria outros tipos de vínculos: algumas pessoas comentaram depois, por exemplo, que grupos de performers se levantaram no mesmo instante, gerando uma reverberação.

Durante a performance, uma casca de uma das palmeiras que cercam a travessa da Praça da Liberdade caiu. Uma sensação generalizada entre o grupo de performers foi o incômodo provocado pelas formigas e pelo formigamento de algumas partes do corpo durante a ação. Uma percepção do cheiro do chão, do microcosmo daquela pedra, somada à superação do efeito da gravidade sobre os ossos do crânio contra o solo compõem um tipo de força exigida dos performers, que pode ser traduzida tanto como uma concentração, mas também como uma força de vontade, um intuito, uma determinação na demanda que a ação lhe coloca, no sentido da submissão aos estados do corpo que se processaram durante a postura e os diálogos internos que eles provocam.

Outro aspecto muito curioso foram as diversas reações e comentários do público durante a performance, que puderam ser ouvidos pelos artistas envolvidos na ação, mas também por quem estava acompanhando e que compartilhou conosco depois. Eu ouvi as perguntas incessantes de uma criança para a mãe sobre a motivação da ação: “Eles estão mortos?”, perguntava. A mãe respondeu: “Para mim, eles ficaram cansados e simplesmente, se deitaram para dormir um pouco”. Não satisfeito com o resumo proposto pela mãe, o menino dirigiu-se à artista Fernanda Branco Polse, que fotografou a performance: “Eles estão mortos? Eles estão dormindo?”, perguntou, ansioso. E ela respondeu: “Eles também estão mortos...” 

A gama de sensações das pessoas que testemunharam a ação – e as performances e a arte de maneira geral – pode ser bem variada, desde perplexidade, indiferença, curiosidade, estranhamento, admiração... Nesta quarta-feira na Praça da Liberdade, esse panorama de emoções veio à tona durante ANESTESIA. Aconteceu de um jovem que passava pela praça no momento da performance se juntar à ação e se deitar ao lado de Jéssica Santos ou de um senhor se preocupar, sinceramente, com o estado de Thomas Trichet, perguntando se ele estava passando mal, pois foi o último a permanecer na postura.. Mas houve pessoas também que demonstraram outros sentimentos menos cuidadosos, comentando em alto e bom som, por exemplo, “que queria ver se soltassem um cachorro bravo, se todos iam continuar deitados...”

A experiência compartilhada entre os artistas, com o espaço e as pessoas presentes na Praça da Liberdade foi muito intensa. A iniciativa de convidar artistas parceiros e abrir a possibilidade para que interessados integrassem as ações coletivas de INFLAMÁVEL foi muito rica para a exposição e para mim. Após a ação, conversando com Carolina de Pinho, refleti sobre a possibilidade de ANESTESIA funcionar também com um procedimento: um tipo de exercício de construção de estados corporais de concentração, desapego, desaceleração e meditação que a ação convoca. Esse procedimento pode ser interessante como aquecimento para a dança, por exemplo, para a composição, para o improviso, para a vida, por que não? 

Fiquei, estou, continuo comovida com a entrega de todos, com a disponibilidade dos que se comprometeram com a ação, convidados por outras pessoas ou por eles mesmos, a partir da chamada na programação. Entendo essas atitudes como uma valorização do encontro e como uma possibilidade de exercitar uma “pedagogia da performance”, no sentido de pesquisar e experimentar o que é “ir até o limite do corpo”: o que isso significa, afinal, na performance? Perceber ou superar os limites? Contaminar ou concentrar fronteiras? Memória do que era ou possibilidade de abertura? 


























FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse

Ação em palavras


por Nathalia Larsen


Imersa em minha mais nova condição materna, encontro tempo para poucas coisas, escassa mobilidade e zero transito. Aproveito para ler sobre o que mais gosto de refletir: museus, arte e arquitetura.  Reflito agora sobre Museu Virtual. Tento entender se há de fato tamanha possibilidade de expansão, seria possível vivenciar a experiência de uma obra de arte, por exemplo uma instalação ou performance, sem estar presente? Oras uma experiência virtual nada tem haver com uma experiência presencial. Quando estamos de frente a uma obra de arte todos os sentidos afloram, a mente tende a viajar para caminhos as vezes nunca explorados e certamente saímos com a sensação de pertencimento. Me lembro quando vi pela primeira vez “Os Girassóis” de Van Gogh, mesmo se tratando de uma obra imagética, extremamente repetida pelos livros de História da Arte e outras mídias, quando estive frente a frente com ele, chorei. Chorei por que me senti de certa forma ingênua, como acreditei que a conhecia. Quando a vi pessoalmente foi como se meus olhos houvessem me enganado. Eram muitas pinceladas, havia densidade no traço e muita mais muita tinta a óleo davam a sensação de que a pintura quisera saltar da tela. Quanto tempo para secar cada momento realizado, me deu uma sensação de tempo que jamais antes havia refletido.

Consciente de que as artes plásticas exigem mais do observador, que apenas a visão. Passo a refletir sobre performance. Acompanho a exposição INFLAMÁVEL, solo de Ana Luisa Santos. Por sorte Ana está relatando sua experiência em um blog que eu ansiosamente aguardo ser alimentado após sua vivencia. E como fica essa de viver uma performance através de um relato e algumas fotografias? A sensação é estranha, de uma lado o prazer de acompanhar bons trabalhos sendo realizados do qual não tenho acesso presencial no momento, além da possibilidade de ler seu relato e receber informação. Ao mesmo tempo fico intrigada com toda a informação que não recebo, as entrelinhas que só um pode ver, o observar dos outros que observam, que sempre me fascinou, as dúvidas quanto a materialização do relato e o desejo infame dos sentidos, falta cheiro, faltam conversas paralelas, faltam sons evasivos que completam ou incomodam, enfim falta pele para tornar aquilo seu. Sua experiência.

Com isso, sigo pensando no tal Museu Virtual e amplio o museu para além das obras de arte, para além de seu acervo e chego a outra função que ele deve exercer além de conservar e expor suas obras, é fomentar a pesquisa e a crítica. É trazer a experiência estética para outros campos do conhecimento, é pensar e repensar e sempre que possível mais uma vez. Nesse momento passo a ser menos relutante ao Museu Virtual, sua possibilidade de existência já é algo admirável. Se, podemos alimentar a internet com as funções articuladoras do Museu o esforço já vale a pena. E a partir daí entendo que se posso participar de uma exposição, mesmo que através de um ponto de vista que não é o meu, e essa pequena participação me permite articular formas de pensar e trocar com outros interessados essa experiência, me parece que a virtualidade passa a trabalhar a favor de nossa sociedade. Ela passa a encurtar a distância, a disseminar articulações e estimular participações.

Esta é a experiência que vivo atualmente com a exposição INFLAMÁVEL. Tenho acompanhado as performances que estão acontecendo semanalmente pelo BLOG organizado pela artista no intuito de disseminar a experiência aos que por alguma razão não podem comparecer presencialmente. Algumas performances já vi ao vivo e por essa razão consigo visualizar seu efeito no espaço da galeria, assim como visualizo os transeuntes observando e se surpreendendo, é o caso de Dobras. Performance, onde os movimentos do corpo de Ana envolvido por papel definem uma escultura em movimento. Ora delicada ora angustiante, a ação começa com uma experiência suave e com o desdobrar do tempo passa a gerar conflito, ruído, angustia para finalizar em um alivio contido.

Outras performances relatadas, como a Não vendo......, o relato não me satisfez for completo. Desejo estar presente. Vejo as fotos, viajo nas possibilidades, amplio minhas percepções e não...quero mais. Recebo as informações compartilhadas, ao mesmo tempo sei que estou perdendo muitas impressões. Sinto falta das expressões da artista, me faltam às expressões dos observadores, eu quero olhar de perto. Quero olhar as escolhas das roupas e rir dos resultados sem que isso pareça uma produção de moda de uma revista alternativa.

Um Museu comigo agora, é gostoso de ler. Além do que se trata de uma ação, podemos dizer, intimista, individual. A artista atua apenas para o corajoso que ansiou dar-lhe tempo e com essa graça um breve relato de um dos protagonistas nos bastam para entender a ação. Uma experiência simples e humana, da qual se pode especular infinidades no entendimento da cultura e do comportamento humano. Sorrio sozinha, pois também já visitei um museu com Ana.

Sigo lendo o BLOG, vendo as fotos de Trepadeiras de Plástico, uma experiência estética, uma experiência erótica. Provocação. Artificialidade. Imagem versus imagem. Se trata de mais uma experiência satisfatória através dos relatos e fotografia. Acredito que isso se dá, porque a própria intenção do trabalho trata o poder da imagem em nossa sociedade e quando vemos as imagens da experiência que nada mais é que a sintetização da imagem que representa mais uma vez a imagem, chegamos a uma espiral satisfatória e conclusiva.

Com isso chego a conclusão que, quando um observador realmente deseja experimentar uma ação, melhor estar presente nada substituirá as sensações possíveis com o estar. Porém, a ação pode ser sim disseminada e seus desdobramentos podem e devem ocupar mais que o espaço da ação, devem ocupar o espaço e tempo da critica. A sensação que tenho com essa experiência de vivência/observação é que daqui à alguns anos não lembrarei se estive na Mostra ou se foi tudo um puro devaneio bom.



                                 



O direito aos grandes lábios


Durante a exposição INFLAMÁVEL, optei por trabalhar com outra utilização do espaço da Galeria do BDMG Cultural. Além da tela que mostra os registros em fotografia e vídeo de sete trabalhos que estão sendo exibidos diariamente na galeria e da instalação de seis imagens da foto-performance INFLAMÁVEL, os visitantes encontram o espaço livre, ocupado com o material e rastros da ação que aconteceu anteriormente na programação de 11 ações performáticas realizadas durante a exposição. Esse novo uso, com a liberação dos painéis que geralmente são utilizados em outras exposições na Galeria do BDMG Cultural, proporcionou uma outra percepção do espaço, um atravessamento que permite sua ampliação devido à  criação de lugar para a realização das performances, favorecida pela arquitetura do edifício, com sua parede de vidro no fundo e as características espelhadas de seu piso.
No domingo, 1º de fevereiro, realizei a performance PÉGASUS na Galeria do BDMG Cultural e, além da ação, outro elemento preencheu o espaço criando um tipo de forma para a percepção: o silêncio. Esse ambiente permite que outros sons sejam percebidos e componham a trilha sonora do trabalho. Na performance, estabeleço um jogo erótico com uma sela de cavalo, transformando o material em extensão do corpo. As ações funcionam como um jogo de semelhantes e diferenças entre as relações humanas e as relações animais, entre submissão e prazer, entre objeto e sujeito, entre corpo e cavalo.
Montar uma exposição de performances é um desafio em vários sentidos. Desde a criação de uma relação com o espaço, com suas características físicas e relacionais, passando pela construção dos espaços de ação, para cada performance, até o desdobramento do trabalho no espaço, durante seu acontecimento. Montar o texto do blog, montar as fotos para publicação. Montar o esquema de produção para a próxima ação na galeria…
No teatro, costuma-se dizer que “o texto (dramaturgia) será montado”. No caso de PÉGASUS, corpo e material são montados, para a construção do texto da ação performática. A sela prevê dois corpos: um corpo que monta e outro que é montado. Que corpo é montado na performance? E, ao mesmo tempo, como desmontá-lo durante a ação?
Uma das figuras mais emblemáticas da mitologia grega é Pégasus, o cavalo alado. Poseidon (Netuno para os romanos), deus do mar, era apaixonado por Medusa, um monstro com cabelos de serpente e que tinha o poder de transformar as pessoas em pedras. No entanto, o deus nunca tinha conseguido tocá-la. Quando o herói Perseu derrotou Medusa cortando-lhe a cabeça, uma gota do sangue dela caiu em contato com a água, provocando um enorme estrondo. Surgiu, então, uma espuma branca sobre a água e um belo cavalo de pelagem branca e com asas emergiu.

Após seu nascimento, Pégasus bateu com seus cascos no chão do monte Hélicon, fazendo brotar nesse local a fonte de Hipocrene, que se tornou famosa como um símbolo de inspiração para a poesia. Quem bebesse das águas sagradas da fonte, viraria um poeta. A partir disso, muitos homens tentaram capturar o cavalo para domesticá-lo, mas ninguém conseguiu.

Sempre adorei cavalos. Quando eu era muito criança, um cavalo disparou comigo e eu caí. Minha sorte: fui amortecida por uma planta chamada “unha de gato”, uma moita de espinhos. Não tive uma fratura sequer. Apenas fiquei um bom tempo em cima da mesa de jantar para que minha mãe e amigos retirassem uma centena de espinhos do meu corpo pequeno.

Ao final da performance, recebi de presente um poema de Diógenes Aquino que testemunhou a ação na galeria e que compartilho aqui, como forma de agradecimento:
Pégaso...
a sensualidade
nasce do belo...
nunca vi
uma mulher com sela
é eroticamente lindo...
Pégaso é ela
asas da imaginação...
quero ser Perseu
cavalgando no nu
eternamente belo...
a Pandora chama ardente...
os seios montes
néctar... lácteo...




















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FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse