Um mergulho profundo

Escrevi isso instantes antes de realizar a performance RITUAL REFLEXO em INFLAMÁVEL:

A arte é uma experiência muito desafiadora.
Em um sentido é uma experiência de morte.
Morre um tipo antigo de olhar, de perceber.
Morre um tipo de corpo.

Nesta sexta-feira, 06 de fevereiro, aconteceu a penúltima ação de INFLAMÁVEL, RITUAL REFLEXO. E eu sinto que continuo administrando arquivos – corporais, visuais, fotográficos. Senti, logo após a performance, uma grande emoção que me fez chorar muito. Gratidão, por todo o processo de aprendizado que continuamente é avaliado, relatado e compartilhado aqui e na presença dos que testemunham, testemunharam INFLAMÁVEL, esse mês de imersão no trabalho da performance. E outro forte sentimento, misto de alívio, força e renovação, todos relacionados à ação que acabara de realizar.

Sinto grande receio diante da ação de RITUAL REFLEXO e tento decifrar o que me impele a propor essa performance, como performance, diante desse sentimento. Acredito que a performance pode indicar um ato cheio de significados. Significados tão fortes que comovem o corpo de uma maneira que seus estados são fortemente alterados. Como performer, tento desenvolver uma percepção dilatada dessas alterações – no meu corpo e nos corpos de quem testemunha a ação. Acredito que a performance é o registro do rascunho sempre inacabado e contínuo dessa percepção.

Na performance deste 06 de fevereiro percebi uma experiência nova pela configuração do espaço onde ocorreu a ação. RITUAL REFLEXO aconteceu na área externa da Galeria do BDMG Cultural, de onde se pode enxergar as torres da Igreja de Lourdes, os jardins internos do prédio do BDMG no andar de baixo, e um pequeno pátio, com arquibancadas de pedra. De lá, dá para ouvir também uma miscelânea de sons do entorno, incluindo não só o sino da igreja, mas o ruído temporário de crianças no recreio de uma escola da vizinhança, o som metálico de obras em construções próximas e o canto sutil de alguns pássaros.

Neste ambiente, diante do espelho posicionado em frente ao paredão de pedra do fundo o edifício, enxerguei não somente minha imagem em presença. Junto ao tipo de arquibancada que estava atrás do meu corpo diante do espelho, percebi outras presenças dentro do espelho. A artista Marina RB e o poeta e filósofo Diógenes Aquino permaneceram por um bom tempo comigo, dentro do espelho. Eles se posicionaram logo atrás de mim, e pareciam procurar dentro do espelho alguma coisa junto comigo. Essa proximidade me preencheu de afeto e de cor. Ambos usavam roupas em tons complementares de vermelho e azul, que junto ao branco que eu vestia e a textura negra da pele do edifício do BDMG mais atrás compunham um quadro efêmero de puro reflexo. A utilização do espaço externo da galeria foi muito interessante neste raro dia chuvoso de 06 de fevereiro, como há muito não acontecia em Belo Horizonte um dia cinza. Assim diz o Livro dos Símbolos:

“O espelho é um recipiente refletivo cuja fonte de energia é a luz. Os espelhos sempre existiram Antes do uso do metal, eles eram os reflexos nas águas reunidas nos recortes da terra. Os primeiros povos acreditavam que nesses reflexos o elementos da alma podia ser percebido e ainda hoje persiste a fantasia de que o espelho nos pode roubar a alma. A natureza extraordinária do espelho é a maneira como ele leva nossa imaginação para as suas aparentes profundezas. O que vemos nós quando olhamos para um espelho? ‘Refletir’ significa meios para dobrar para trás ou em torno de, sugerindo uma ligação. As perturbações no reflexo têm sido associadas ao narcisismo patológico, estados marginais e depressão crônica. Todos os dias, nós confrontamos espelhos nas reações de outros em relação ao nosso comportamento. No seu aspecto mágico, o espelho é uma ferramenta de impostor, um utensílio de ilusão, fazendo-nos frequentemente parecer mais, ou menos, do que aquilo que somos. Mas o espelho enquanto símbolo da nossa capacidade para refletir é igualmente um instrumento de salvação. No mito de Perseu, é apenas olhando para a imagem refletida do que é perigoso absorver diretamente, que o herói consegue matar a Medusa de cabeça coberta de cobras.”

Na performance RITUAL REFLEXO quebro o espelho e enterro os cacos de reflexão. Fiz uma pequena cova na terra aos pés de uma árvore da avenida Bernardo Monteiro, em frente à galeria do BDMG Cultural onde estão algumas partes de imagens fragmentadas de uma busca. Neste espaço que recebeu mais 10 ações performáticas, além dos registros em fotografia e vídeo de mais sete trabalhos solos e coletivos. Sigo imaginando a conversa no próximo domingo, dia 08 de fevereiro, durante a FINISSAGE INFLAMÁVEL na galeria. O que gostaria de compartilhar, além da gratidão pela presença das pessoas que testemunharam essa jornada na galeria e/ou pelo blog? Uma satisfação, um desafio, uma promessa de outros estados que ainda vão surgir da memória desse momento?














 FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse