Nu não vendo vendada de novo


A primeira vez que realizei a performance NU NÃO VENDO VENDADA foi em 2009. Esse foi meu primeiro trabalho solo e a primeira performance em que utilizava o nu como imagem. Lembro-me da preparação para esse ritual lá atrás, de quanto foi intenso esse processo de assumir a nudez como acontecimento no trabalho e de como foi importante lidar com a responsabilidade e a solidão de uma performance solo. NU NÃO VENDO VENDADA diz sobre isso e refleti muito, na conclusão da primeira semana de INFLAMÁVEL, com gratidão pela oportunidade de refazer o trabalho, de retomar essas questões.






A performance que aconteceu às 15h no domingo ultra quente deste 18 de janeiro na Galeria do BDMG Cultural traz à tona algumas perguntas que se desenvolveram depois, em outros trabalhos. Mas que já apareciam ali, nessa mistura de submissão e liberdade que a performance traz. NU NÃO VENDO VENDADA diz desse desvelamento do corpo, proposto na ação performática, em que o performer se oferece ao olhar do outro. Se na CRISÁLIDA descasco a pele da memória, neste trabalho, proponho um passeio do corpo por uma instalação de roupas pontuadas pela trilha sonora ininterrupta de uma máquina de costura que funciona "sozinha". 









Também eu estou sozinha, vendada, com um senso de direção atordoado e um solo de figurinos aos meus pés. Os trajes são acervos pessoais, tanto de acervos de figurinos, quanto roupas que uso no dia-a-dia ou que um dia eu usei quando eu era outra. Quantas dezenas, quiçá centenas de roupas usamos durante toda a vida até agora, desde o nascimento, e com as quais vamos trocando, doando, recebendo e criando personas visíveis de nós mesmos para o mundo e para o espelho. Na performance não vejo o público e só consigo distinguir os objetos por sua textura e forma. Faço uma vaga idéia de como isso vai compor meu corpo, na desorientação que a performance me traz, um estado misto de vulnerabilidade e jogo que cada elemento de figurino oferece.




Neste domingo especialmente quente de verão, um dos maiores desafios foi enfrentar o calor antes, durante e após a instalação. E penso sempre no que funciona sobre a superfície do corpo. Sem enxergar, percebo outros sons, procuro ver com minha pele, por entre trajes que pertenceram a mim ou a outras pessoas (no caso das roupas de brechó) na composição de uma imagem do corpo que se coloca ao dispor da visão do outro, corpo-imagem em performance. A máquina que funciona sem parar, ao peso dos livros de fotografia, lembra esse constante exercício de se criar, de se compor para o olhar do outro, quando muitas vezes temos dificuldade de enxergar a nós mesmos. O que permanece invisível aos nossos olhos? O que escondemos dos outros? 





É bastante difícil se vestir estando vendada: essa condição é a chave performática do trabalho, que desmonta esse tipo de ação cotidiana. Quando nos vestimos na presença de outras pessoas? Como nos despimos quando não estamos sós? NU NÃO VENDO VENDADA desdobra essa compulsão por camadas e camadas de nós mesmos que construímos durante a vida, compulsão explorada pelo mercado, no ímpeto do consumo de moda, de beleza e de juventude. Essa necessidade de uma atualização de identidade, cada vez mais imperativa nas relações das redes sociais, das tecnologias selfie, nos relacionamentos afetivos que por vezes causam ansiedade, insegurança e confusão. Ficamos perdidos, atordoados, quiçá cegos diante dessa demanda excessiva.







Nesta semana que inicia, realizo UM MUSEU COMIGO AGORA  na próxima quarta-feira, dia 21/01, na Praça da Liberdade. Na sexta, acontece DOBRAS, na Galeria do BDMG. E no domingo, realizo TREPADEIRAS DE PLÁSTICO, também na galeria. Convido a todos a compartilhar essa jornada de descobertas e reflexões, na oportunidade da presença da performance, sempre a partir das 15h. 

FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse