Sexta-feira, 16 de janeiro de 2015, três horas da tarde: a CRISÁLIDA estava finalizando seu processo de instalação quando as pessoas adentraram a Galeria do BDMG Cultural para acompanhar a segunda performance da programação INFLAMÁVEL. O sentido de testemunho do público que assiste à performance neste caso é muito intenso. Começa desde a instalação, para qual convidei a artista Flora Maurício para compor comigo a tarefa de construir o delicado e resistente casulo de corda de sisal. Nesse sentido, essa é uma tarefa intensa, demorada e cuidadosa, que contou também com o apoio da equipe do BDMG Cultural para a instalação de uma das extremidades da linha desde o espaço externo da galeria, ampliando a imagem.
CRISÁLIDA é um trabalho sobre transformação, renascimento, vida-morte-vida. A relação arte-vida da performance é colocada diretamente no espaço de ação, onde as marcas do corpo, provocadas pelo atrito da corda de sisal, lembram os processos impressos na subjetividade de cada um, em cada momento da vida. Tão difícil quanto compor a CRISÁLIDA, nesse invólucro sensível e resistente, volta por volta em torno do corpo, é se desvencilhar do que não faz mais sentido, desapegar do que já foi, mas que fica como registro no banco de experiências de cada um.
O trabalho traz um sentido muito nítido de libertação e liberação do corpo, de se renovar para novas possibilidades de vida, continuamente. O desafio de suportar a opressão do invólucro, essa limitação da carne do corpo, sua inescapável limitação, limites e capas, carapaças, rodeios de ordem cultural, social, sexual e política é profundo na superfície da pele que se desenrola ali, diante de todos. Soltar os nós e as amarras, arranhar a pele, inscrever outras tatuagens também requer bastante esforço e dedicação que, para mim, no momento da performance se traduz em um estado de comoção. E emoção brota na respiração, no choro e em espasmos, em que me percebo puro instinto: sei que preciso me livrar.
A narrativa desses estados e das cordas que vão se soltando pelo espaço, como rastros, cascas, linhas de fuga acessa diretamente a memória, a minha memória e das pessoas que testemunham a performance, que testemunharam tantos outros momentos onde foi imperativo nascer de novo, se reinventar, criar um outro nome próprio ou uma nova filiação. CRISÁLIDA é uma forma de ritualizar essas tantas mortes e ressurreições que experimentamos ao longo do cordão da vida.
O corpo CRISÁLIDA revela também algumas imagens provocadoras, desse corpo inaugural: como é um corpo que nasce? Essa nudez que acontece na CRISÁLIDA, essa nudez acontecimento mais que desvelar um corpo sem roupa, mostra uma tarefa performática de descamar o corpo de códigos de gênero ou de consumo, códigos de comportamento e de visibilidade, códigos que se transformam na ação através da submissão, do erotismo ou da emoção literalmente à flor da pele. O material da performance, impregnado dessa energia de expansão, permaneceu na galeria, até a próxima ação.
Neste domingo, 18 de janeiro, às 15h, é a vez de NU NÃO VENDO VENDADA, performance baseada nas ações ultra cotidianas do vestir e do desvestir. Essas ações ganham outra dimensão ao refletir sobre a relação do ver e ser visto que está implicada no programa de aparência corporal que compomos para nós e para os outros, de forma simultaneamente individual e coletiva.
FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse