Dobrando o espaço



A Galeria do BDMG Cultural é um espaço de passagem. Não só no sentido figurado da travessia, do transporte ou do trânsito que os trabalhos artísticos podem abrir ali, entre os visitantes e artista residente (no caso de de uma exposição de performance). A Galeria do BDMG Cultural é um lugar de passagem, literalmente, um lugar de passagem dos funcionários do BDMG - Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e do Instituto BDMG Cultural, uma vez que a galeria ocupa o espaço intermediário entre o Banco e o Instituto. Há uma porta, no meio de uma das paredes laterais da galeria, que dá acesso aos escritórios do Instituto, e outra porta na parede do lado oposto que dá acesso a uma copa, aos banheiros e aos elevadores, já no edifício do Banco. Essa configuração do espaço permite um trânsito diferenciado e interessante na galeria, especialmente durante a realização das performances de INFLAMÁVEL.




Nesta sexta-feira, 23 de janeiro, a performance DOBRAS provocou mais uma vez esse diálogo, percebido progressivamente desde o início da exposição. Realizada a partir das 15h, dentro do horário comercial das duas instituições, a ação coloca uma lente de aumento no ritmo das passagens de funcionários e visitantes pela Galeria BDMG Cultural.

DOBRAS é uma performance com caráter escultórico, que explora o tempo dilatado durante a ação. No trabalho, exploro o ritmo do material - uma grande bobina de papel branco - procurando descobrir as relações entre a presença e o desaparecimento do corpo. A partir do trabalho com o material, me surpreendo com as imagens que vão acontecendo através da cor, da textura e da extensão do papel. A enorme passarela alva que se estendeu e atravessou a galeria fez vir a tona esses mundos em trânsito que operam naquele lugar e que a performance traz para a cena. O que acontece de um lado, o que se passa do outro, quando é possível/preciso atravessar.





A dilatação do tempo e do ritmo da ação permite uma percepção aguçada dos sons ambientes e do entorno: em DOBRAS apareceram pássaros próximos à parede de vidro no fundo da galeria, que chamaram a atenção com seu canto singelo. Entremeados pelo sino da Igreja de Lourdes que fica perto e pelo sinal intermitente do elevador, ouvi de dentro do papel as conversas de funcionários na copa, temperadas com risadas e papos no celular. Como na performance NU NÃO VENDO VENDADA, interrompo o contato visual com as pessoas que testemunham a ação ao criar um invólucro poroso para o meu corpo com o papel. Pelo relato de pessoas que acompanharam a ação, soube que algumas pessoas, inclusive funcionários das instituições simplesmente passaram pela galeria sem constatar que havia algo, um corpo, acontecendo ali.

Essa reação, somada a essa experiência de atravessamento literal do espaço da galeria pelo fluxo de trabalho (institucional ou performático) me lembrou a performance intitulada INDIFERENÇA, de Renato Negrão, realizada durante a exposição Outra Presença no Museu de Arte da Pampulha, em novembro de 2013. A performance tem dessas armadilhas/aberturas. Como uma ação artística que propõe uma experiência compartilhada, sua proposta é que o outro testemunhe o acontecimento, junto ao performer, num relato instantâneo e simultâneo da progressão de estados do corpo: do performer, do espaço, do público.



Diferentemente do teatro e da dança para palco, que estabelece um outro pacto de visibilidade, destinando lugares específicos para a fruição, a performance joga com o imprevisível das percepções. E nesse risco de estar no meio de um espaço atravessado, a ação performática pode parecer estranha, mas ao mesmo tempo, muito clara ao desvelar as relações que se dão no lugar no instante do acontecimento. Na verdade a performance demonstra como podemos observar a vida como acontecimento - e não simplesmente como uma sucessão geralmente premeditada de determinados momentos. 

Em DOBRAS, enquanto me preparo ou me embolo, sinto algumas imagens diversas: desde a mortalha do luto branco oriental, ao tubo da onda marítima, ou até mesmo o cilindro da lâmpada fluorescente. Esculturas à parte, apareço e sumo durante a ação e, como em CRISÁLIDA ou em NU NÃO VENDO VENDADA, preciso encontrar saídas para essa visibilidade do corpo - que às vezes achamos ser sempre a mesma do espelho ou no cartaz do consumo de um corpo produto. 

O fato é que essa saída em DOBRAS - e na performance que tenho experimentado - se dá pelo rompimento. Rompimento de antigos padrões de beleza, comportamento, relação. Um tipo de ruptura social também e uma espécie de lapso no tempo cotidiano comezinho que tudo abafa e embota (se assim deixarmos). 




Sinto grande solidão na caverna de DOBRAS, imagino pinturas rupestres efêmeras pela minha respiração e suor impressos no papel, uma espécie de pergaminho corporal, onde relato toda a minha existência - real ou inventada - nesse tipo de morte/ressureição que a performance me permite. Esse corpo imolado, dobrado entre arte e vida, me exige realizar uma passagem: atravesso o bom senso e o uso indicado do espaço e do corpo para descobrir, aprender, relevar.... experimentar novas possibilidades de ocupação e de atitude, valorizando a presença, o encontro e a diferença.  




No domingo 25 de janeiro, às 15 horas, TREPADEIRAS DE PLÁSTICO ocupam a galeria do BDMG Cultural com a instalação de um fake éden para refletir sobre os corantes artificiais das relações afetivas contemporâneas.

FOTOGRAFIA por Fernanda Branco Polse